MEMÓRIA COMO MINHA CASA, QUE FLUTUA ENTRE PRESENTE E PASSADO ⚡︎
Wel Soares - Dez 2024
A memória é uma construção frágil, constantemente moldada pelo tempo, pelas experiências, pelos afetos e pelas dinâmicas de poder. Meu trabalho parte da necessidade de reconstruir e transmutar a memória, atualmente ligadas a um espaço demolido: a casa onde cresci.
“A casa onde morei na infância vem à mente com uma imagem muito clara, e aqui não me limito apenas a rememorar sua forma externa. Rasgo com os olhos as paredes de tijolo cru, texturizadas por uma forma industrial, às vezes como a marca da empresa que o produziu. Uma parede com rótulos. As telhas quentes de amianto com suas suaves formas onduladas que fazem meu olho trepidar de relevo a relevo. O piso encerado de um tom verde-musgo quase comestível. A separação entre os cômodos possui uma beleza ímpar; cada um dos três espaços revela mundos distintos de características próprias. Permito-me imaginar os arredores do barracão. Na chuva, o chão de cimento em frente à casa criava musgos e se estendia por alguns metros, numa mistura de cinza e verde. Ficava horas deitado ali. No lado esquerdo da casa, existia um declive que fazia a conexão com a casa vizinha. Esse espaço recebia um sol direcionado e, por estar entre as duas casas, transmitia uma sensação de privacidade. Quando brincava ou desenhava, ficava ali.”
A ausência física desse lugar não apagou sua presença no tempo. Pelo contrário, deslocou sua existência para outras formas, para estruturas que lidam com o vazio, a permanência e a transformação daquilo que um dia foi espaço. A memória não desaparece junto com aquilo que a abrigava—ela se reinscreve no que resiste. A destruição não significa um fim absoluto.
Nesse processo, a escultura atua na transmutação da memória. Cada ação sobre o material reinscreve o que já não existe fisicamente. Para mim, é importante realizar cada etapa da escultura, moldando a matéria e permitindo que meu próprio fazer se torne parte desse deslocamento. Algumas formas são reservatórios de memória, não como arquivos fixos, mas como espaços de retenção e passagem. O tacho se torna um corpo que abriga o que foi transformado. A cabaça ressurge como um elemento ancestral, transparente, que guarda, e sugere a presença de algo que quer ser visto, mas não acessado.
As esculturas tensionam o tempo e a matéria, criando um lugar onde a ausência também ocupa espaço. Entre presença e desaparecimento, a memória encontra novas formas de existir. O que um dia foi espaço físico agora se desloca para outras estruturas, onde passado e presente são acessados e conectados.
